Acabo
de afixar uma plaquinha de vende-se no meu automóvel
último modelo.
A aquisição dele foi a pedido da minha noiva na época. É fato que ele vivia apinhado de pândegos e putas, o que
determinou a nossa separação recente. Nem sei como durou tanto tempo, o
relacionamento. A intenção é vender o carro imediatamente, por causa disso também
anunciei em jornais e na internet.
Estou agora em um barzinho bebendo uma cerveja
pra descontrair. Na verdade faz um bom tempo que estou no boteco e já bebi
várias cervejas pra esquecer os últimos acontecimentos em minha vida. Pra
esquecer minha noiva, mais precisamente. Olho para o carro, que está bem ali no
estacionamento, próximo às mesas do bar. As lembranças chegam de imediato.
Principalmente aquelas em que namorava a garota da minha vida, minha noiva. Mas
também chegam outras lembranças. Lembranças das outras garotas que passaram em
minha vida, quer dizer, que passaram por meu carro. Por isso a pressa em
vendê-lo.
Decido, um tanto relutante, que por
hoje basta de cervejas. Enquanto me dirijo ao estacionamento, eu penso a vida é uma tremenda bebedeira, nunca tiro
dela outra impressão. Desativo o alarme. Um sistema antifurto sempre é muito
importante. Nesse instante percebo a rápida aproximação de um grupo de pessoas.
Algumas fardadas. Uma moça, muito parecida com minha noiva, gritou “olhe lá o
meu carro” e “foi esse aí mesmo” e “cuidado, ele pode estar armado”. Em
instantes eu recebi voz de prisão. Um dos que parecia ser um policial trovejou “você
está preso!” e “deita no chão!” e “tem o direito de permanecer calado!”. Mas eu
não queria permanecer em silêncio. Eu disse, suplicando, para a minha noiva, agora
eu tinha certeza de que a moça do grupo era a minha noiva: “amor, você precisa
me perdoar por tudo!” e “amor, não faz isso comigo” e “amor, manda esses caras
me soltarem, você precisa superar esses traumas recentes”. Ela fez ouvidos
moucos, a minha noiva, eu tenho certeza absoluta de que era minha noiva, não
havia como ser outra pessoa. Até hoje não consigo entender isso. E quem
consegue entender essa lei da oferta e da procura?
Todos os termos em itálico são citações da obra de Fernando Pessoa.
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