terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A oferta é a procura


             Acabo de afixar uma plaquinha de vende-se no meu automóvel último modelo. A aquisição dele foi a pedido da minha noiva na época. É fato que ele vivia apinhado de pândegos e putas, o que determinou a nossa separação recente. Nem sei como durou tanto tempo, o relacionamento. A intenção é vender o carro imediatamente, por causa disso também anunciei em jornais e na internet.

            Estou agora em um barzinho bebendo uma cerveja pra descontrair. Na verdade faz um bom tempo que estou no boteco e já bebi várias cervejas pra esquecer os últimos acontecimentos em minha vida. Pra esquecer minha noiva, mais precisamente. Olho para o carro, que está bem ali no estacionamento, próximo às mesas do bar. As lembranças chegam de imediato. Principalmente aquelas em que namorava a garota da minha vida, minha noiva. Mas também chegam outras lembranças. Lembranças das outras garotas que passaram em minha vida, quer dizer, que passaram por meu carro. Por isso a pressa em vendê-lo.

            Decido, um tanto relutante, que por hoje basta de cervejas. Enquanto me dirijo ao estacionamento, eu penso a vida é uma tremenda bebedeira, nunca tiro dela outra impressão. Desativo o alarme. Um sistema antifurto sempre é muito importante. Nesse instante percebo a rápida aproximação de um grupo de pessoas. Algumas fardadas. Uma moça, muito parecida com minha noiva, gritou “olhe lá o meu carro” e “foi esse aí mesmo” e “cuidado, ele pode estar armado”. Em instantes eu recebi voz de prisão. Um dos que parecia ser um policial trovejou “você está preso!” e “deita no chão!” e “tem o direito de permanecer calado!”. Mas eu não queria permanecer em silêncio. Eu disse, suplicando, para a minha noiva, agora eu tinha certeza de que a moça do grupo era a minha noiva: “amor, você precisa me perdoar por tudo!” e “amor, não faz isso comigo” e “amor, manda esses caras me soltarem, você precisa superar esses traumas recentes”. Ela fez ouvidos moucos, a minha noiva, eu tenho certeza absoluta de que era minha noiva, não havia como ser outra pessoa. Até hoje não consigo entender isso. E quem consegue entender essa lei da oferta e da procura?
    



Todos os termos em itálico são citações da obra de Fernando Pessoa.

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