domingo, 25 de novembro de 2012

O que adianta produzir laranjas se os americanos não querem comprar o sumo


                                                                             E eles, existem?      
- Quando eu vejo, existem.
Paulo Leminski (Gozo Fabuloso, DBA, 2004).

Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso servidor.
                                                                                                  João Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas, Nova Fronteira, 2005).           
            1.
            O Pai é adepto da monocultura, da monogamia, do monoteísmo.
            2.
         Eu detesto a monocultura, a monogamia e principalmente o monoteísmo. Por isso gosto do catolicismo apostólico romano. O catolicismo com seus Deuses (Pai, Filho, Espírito Santo) e semideuses (Maria Mãe de Jesus e todos os Santos) é mais dinâmico, alternativo e nos oferece lotes mais largos e confortáveis de esperança. No aperto, sempre há a quem rogar.
            3.
            O Pai é dono da lavoura. É ele quem decide o que plantar. Houve uma época em que plantávamos para as pessoas comerem. Uva, abacaxi, manga, melão, mamão, melancia, berinjela, alface, rúcula, almeirão, tomate, cenoura, cebola, beterraba, pepino, chuchu, abóbora, batata, mandioca. Tínhamos o nosso cinturão verde. O nosso cinturão da esperança. Se uma cultura desse prejuízo, era compensada pelo lucro de outra.  Agricultura familiar. Não ficávamos ricos, mas tínhamos lucro.  Depois vieram os modismos: soja, nos anos 80; tabaco, anos 90; agora, a laranja. Não sei por que o Pai insistiu para que fizéssemos agronomia se não aceita opiniões em contrário.
            4.
            Semana passada, estive em Brasília participando de uma manifestação de produtores rurais (produtores de laranjas), a pedido do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Entre reuniões, discursos, panfletagens e outras atividades correlatas e persuasivas ainda encontrávamos tempo para distribuir laranjas às pessoas, nas praças e nos semáforos.  O objetivo era sensibilizar o cidadão comum, mas também os políticos e os assessores dos políticos. Foram caixas e mais caixas de laranjas, cada vez mais caixas, mas com os preços em baixa, pouco nos importávamos. O povo fazia fila para receber pacotes de laranjas. Mas os políticos e os assessores dos políticos não aceitaram  as laranjas de cortesia. A nossa luta era contra as barreiras sanitárias impostas pelos americanos ao suco de laranja brasileiro. O governo deveria intervir, implorar, retaliar, fazer alguma coisa. Tantas barreiras em nossa vida, e essa gente inventa mais uma.
            5.   
           Hoje estou preso em Campo Grande. Aguardo com ansiedade meu Habeas Corpus. Não foi nada sério, apenas espanquei um extraterrestre.
            6.
         Isso mesmo, acredite se quiser, mas espanquei um extraterrestre. Eram altas horas da noite. Eu voltava de uma reunião na minúscula Associação de Produtores de Laranja, na Vila Aurora, Zona Rural de Campo Grande. O tema do encontro era “O que adianta produzir laranjas se os americanos não querem comprar o sumo”. Quando menos esperava, enquanto caminhava, distraidamente, olhando para o céu estrelado, trombei sem querer, numa encruzilhada aqui perto do sítio em que moro, com um desses viventes de outro planeta. No momento em que me dei conta de quem se tratava, não contive a raiva e mandei pancada pra cima do animalzinho alienígena. Foi uma sucessão de chutes e socos que deixaram a esquisita criatura atordoada.
            7.
            Valha-me São José, mas isso tudo é verdade. A vida toda eu ouvindo esses relatos de sujeitos que haviam entrado em contato com os extraterrestres, objetos voadores não identificados e toda aquela charlatanice bizarra, todas essas histórias inverossímeis, difíceis de acreditar, descrença total. Alguém será que poderia me explicar por que apenas os indivíduos que apregoam a existência de tais criaturas são sempre aqueles que conseguem visualizá-los? Por que será que nenhuma pessoa desconfiada, ressabiada com isso tudo acaba encontrando as evidências de vida extraterrestre? Sempre os mesmos sujeitos que trabalham em prol da causa marciana e os mesmos tipos de relatos pouco críveis? Acontece o mesmo fenômeno com os espíritas e os evangélicos, os quais, amparados nas suas respectivas crenças de direito, são os únicos a relatar a existência de espíritos e de demônios. Puta merda, nunca me deparei com um espírito ou com um demônio, e agora eis que a vida me apronta essa faceta e eu dou de frente com um vivente extraterrestre. Mais uma barreira em minha vida. Uma barreira de outro mundo. Mas essa eu ultrapassei com relativa facilidade.
            8.
            Não deu outra. Não levo desaforo pra casa. O sujeitinho guinchou uma linguagem incompreensível, fez uns gestos obscenos para minha pessoa, deu umas risadinhas de soslaio, o deboche era notório, e quando provavelmente pensou que iria ficar assim mesmo, foi aí que eu mandei o primeiro chute bem no peito raquítico do bastardo alienígena. Ele ficou estupefato, não esboçou reação, então aproveitei e desferi outros golpes que acabaram por deixá-lo estirado no chão.
            9.
             Foi aí que tive a infeliz ideia de pegar meu celular e ligar para o corpo de bombeiros.
             Alguns minutos depois e já era possível ouvir a sirene da viatura oficial se aproximando.
            Os americanos e suas barreiras, eu disse e gesticulei para orientar os bombeiros.
            Então dei mais uma olhada em direção ao homúnculo e apenas ouvi mais alguns balbucios que agora penso que possam ter sido algo como “doces ou travessuras?”. 

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