domingo, 25 de novembro de 2012

O que adianta produzir laranjas se os americanos não querem comprar o sumo


                                                                             E eles, existem?      
- Quando eu vejo, existem.
Paulo Leminski (Gozo Fabuloso, DBA, 2004).

Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso servidor.
                                                                                                  João Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas, Nova Fronteira, 2005).           
            1.
            O Pai é adepto da monocultura, da monogamia, do monoteísmo.
            2.
         Eu detesto a monocultura, a monogamia e principalmente o monoteísmo. Por isso gosto do catolicismo apostólico romano. O catolicismo com seus Deuses (Pai, Filho, Espírito Santo) e semideuses (Maria Mãe de Jesus e todos os Santos) é mais dinâmico, alternativo e nos oferece lotes mais largos e confortáveis de esperança. No aperto, sempre há a quem rogar.
            3.
            O Pai é dono da lavoura. É ele quem decide o que plantar. Houve uma época em que plantávamos para as pessoas comerem. Uva, abacaxi, manga, melão, mamão, melancia, berinjela, alface, rúcula, almeirão, tomate, cenoura, cebola, beterraba, pepino, chuchu, abóbora, batata, mandioca. Tínhamos o nosso cinturão verde. O nosso cinturão da esperança. Se uma cultura desse prejuízo, era compensada pelo lucro de outra.  Agricultura familiar. Não ficávamos ricos, mas tínhamos lucro.  Depois vieram os modismos: soja, nos anos 80; tabaco, anos 90; agora, a laranja. Não sei por que o Pai insistiu para que fizéssemos agronomia se não aceita opiniões em contrário.
            4.
            Semana passada, estive em Brasília participando de uma manifestação de produtores rurais (produtores de laranjas), a pedido do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Entre reuniões, discursos, panfletagens e outras atividades correlatas e persuasivas ainda encontrávamos tempo para distribuir laranjas às pessoas, nas praças e nos semáforos.  O objetivo era sensibilizar o cidadão comum, mas também os políticos e os assessores dos políticos. Foram caixas e mais caixas de laranjas, cada vez mais caixas, mas com os preços em baixa, pouco nos importávamos. O povo fazia fila para receber pacotes de laranjas. Mas os políticos e os assessores dos políticos não aceitaram  as laranjas de cortesia. A nossa luta era contra as barreiras sanitárias impostas pelos americanos ao suco de laranja brasileiro. O governo deveria intervir, implorar, retaliar, fazer alguma coisa. Tantas barreiras em nossa vida, e essa gente inventa mais uma.
            5.   
           Hoje estou preso em Campo Grande. Aguardo com ansiedade meu Habeas Corpus. Não foi nada sério, apenas espanquei um extraterrestre.
            6.
         Isso mesmo, acredite se quiser, mas espanquei um extraterrestre. Eram altas horas da noite. Eu voltava de uma reunião na minúscula Associação de Produtores de Laranja, na Vila Aurora, Zona Rural de Campo Grande. O tema do encontro era “O que adianta produzir laranjas se os americanos não querem comprar o sumo”. Quando menos esperava, enquanto caminhava, distraidamente, olhando para o céu estrelado, trombei sem querer, numa encruzilhada aqui perto do sítio em que moro, com um desses viventes de outro planeta. No momento em que me dei conta de quem se tratava, não contive a raiva e mandei pancada pra cima do animalzinho alienígena. Foi uma sucessão de chutes e socos que deixaram a esquisita criatura atordoada.
            7.
            Valha-me São José, mas isso tudo é verdade. A vida toda eu ouvindo esses relatos de sujeitos que haviam entrado em contato com os extraterrestres, objetos voadores não identificados e toda aquela charlatanice bizarra, todas essas histórias inverossímeis, difíceis de acreditar, descrença total. Alguém será que poderia me explicar por que apenas os indivíduos que apregoam a existência de tais criaturas são sempre aqueles que conseguem visualizá-los? Por que será que nenhuma pessoa desconfiada, ressabiada com isso tudo acaba encontrando as evidências de vida extraterrestre? Sempre os mesmos sujeitos que trabalham em prol da causa marciana e os mesmos tipos de relatos pouco críveis? Acontece o mesmo fenômeno com os espíritas e os evangélicos, os quais, amparados nas suas respectivas crenças de direito, são os únicos a relatar a existência de espíritos e de demônios. Puta merda, nunca me deparei com um espírito ou com um demônio, e agora eis que a vida me apronta essa faceta e eu dou de frente com um vivente extraterrestre. Mais uma barreira em minha vida. Uma barreira de outro mundo. Mas essa eu ultrapassei com relativa facilidade.
            8.
            Não deu outra. Não levo desaforo pra casa. O sujeitinho guinchou uma linguagem incompreensível, fez uns gestos obscenos para minha pessoa, deu umas risadinhas de soslaio, o deboche era notório, e quando provavelmente pensou que iria ficar assim mesmo, foi aí que eu mandei o primeiro chute bem no peito raquítico do bastardo alienígena. Ele ficou estupefato, não esboçou reação, então aproveitei e desferi outros golpes que acabaram por deixá-lo estirado no chão.
            9.
             Foi aí que tive a infeliz ideia de pegar meu celular e ligar para o corpo de bombeiros.
             Alguns minutos depois e já era possível ouvir a sirene da viatura oficial se aproximando.
            Os americanos e suas barreiras, eu disse e gesticulei para orientar os bombeiros.
            Então dei mais uma olhada em direção ao homúnculo e apenas ouvi mais alguns balbucios que agora penso que possam ter sido algo como “doces ou travessuras?”. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O que é o tempo



A demanda terminará em risos e tu te irás absolvido
Horácio
 
 
Para Cristiane Maluf,
Prof.ª de direito civil,
  deveras.


E na Faculdade de Direito- FADIR eu com a bolsa cheia de livros de literatura, eu carregando (pelo menos três cada dia) e lendo Ulisses (James Joyce), Exortação aos crocodilos (António Lobo Antunes), Todos os fogos o fogo (Julio Cortazar), Da preguiça como método de trabalho (Mario Quintana) A obscena senhora D. (Hilda Hilst) A idade do vexame (Cesar Cruz), O buraco na parede (Rubem Fonseca), Dublinesca (Enrique Vila-Matas) e Os detetives selvagens (Roberto Bolaños), eu que deveria ter vergonha na cara e parar de enganar meus velhos pais que gastam uma pequena fortuna com a mensalidade do curso de direito, eu que na verdade deveria ler livros de Gilmar Mendes (Direito Constitucional) Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil) Maurício Godinho (Direito do Trabalho) Rogério Greco (Direito Penal) entre outros, eu na FADIR com a bolsa estufada de livros de literatura e nenhum de direito, eu que enganava meus pais dizendo a eles que estava me dedicando no curso de direito, quando na realidade estava interessado mesmo em literatura, eu que passava o dia inteiro escrevendo pequenas narrativas, contos e crônicas, e publicando-os num blog na internet, eu que, ao me inscrever no curso de direito, fazia a vontade dos meus velhos pais, ambos advogados de renome aqui em Campo Grande, mas que no fundo gostaria de passar a vida não advogando, mas sim escrevendo livros de literatura, eu que tinha um irmão mais velho procurador da república e uma irmã mais nova juíza federal, eu, o filho do meio, uma negação como se referia à minha pessoa meu irmão, que sempre desejei frequentar uma faculdade de filosofia e também de letras, mas que na verdade não acabei frequentando nenhuma, eu sempre atrasado nos estudos, um nefelibata retardado como dizia minha irmã, eu que na aula de direito civil, me sentindo um peixe fora d’água, à questão peremptória da professora Cristiane: - Ricardo, defina contrato com pessoa a declarar e dê um exemplo, eu distraído e a questão inexorável: - Ricardo, fale um pouco sobre os requisitos da evicção, e eu já evicto e mais uma pergunta – Ricardo, cite as ações cabíveis no caso de ocorrer vício redibitório, eu, humilhado, tendo de apelar, com a voz empolada: - Professora Cristiane, responderei da mesma forma que Santo Agostinho quando lhe perguntaram o que era o tempo: “se não me perguntam, eu sei; todavia se me perguntam, não sei explicar”, então peço licença e saio às pressas da sala de aula, eu, correndo,  saio da FADIR, eu e minha bolsa abarrotada de livros de literatura não combinamos com a FADIR, eu o nefelibata retardado atrasando os colegas pragmáticos que em uníssono saberiam responder todas as questões propostas, então eu peço licença e me retiro da aula de direito civil da professora Cristiane, preciso concluir a leitura do bom e sábio Mario Quintana: Da preguiça como método de trabalho.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A Rede


Eu trancafiado no meu apartamento em Campo Grande, tentando concluir o meu A Rede, com o prazo estipulado pelo editor praticamente se esgotando, e meu irmão na fazenda em Jardim me enviando mensagens via celular me chamando pra pescar, meu irmão dizendo monta na camioneta e vem pra cá depressa porque a pescaria está armada, ele insistindo não demora, você sabe como o pai é, e eu em Campo Grande com o prazo para a entrega de meu livro se esvaindo entre meus dedos, sem que esses mesmos dedos, tão ágeis no teclado do notebook, consigam solucionar o meu problema, eu penso o problema não são os dedos, o problema é a mente que já está um trapo, eu tendo de concluir imediatamente A Rede, e A Rede praticamente conclusa, faltando apenas o último capítulo, faltando apenas o fecho de ouro, o arremate final, mas nesse momento decisivo, na hora do clímax eu perdi o fio da meada, os personagens parecem estar desconexos, nada mais se encaixa, a trama está desarrumada, sem lógica, e o meu irmão em Jardim, pressionando com as mensagens, dizendo deixa de lado essa merda de literatura, isso não dá dinheiro, eu em Campo Grande lendo a mensagem e pressentindo que agora quem ditara a mensagem fora meu velho pai, eu quase tendo certeza que a última mensagem via celular tinha sido obra de meu pai, meu irmão já sem paciência, ou o meu pai como sempre sem paciência ditando mande pro inferno esses seus livros, isso não tem futuro, um mendigo na esquina da Afonso Pena com a 14 de julho faz pra pinga mais que você publicando esses aí com cunho filosófico, eu agora com certeza absoluta de que o texto era de meu pai apesar de que o celular era de meu irmão, mas o linguajar era do velho, como sempre não querendo ser contrariado nem mesmo pra uma simples pescaria, como sempre mandando na família toda, ditando os destinos a seu contento, e eu agora não em Campo Grande, não em Jardim, eu agora em São Paulo das Missões, eu com o meu mandi chorão cravado no pé, não em Jardim, não em Campo Grande, mas em São Paulo das Missões, numa tarde chuvosa, em que meu irmão encostou a Brasília marrom às pressas na frente de casa, meu irmão pegou a enxada e em instantes voltava com um pote cheio de minhocas, meu irmão gritando pra mim pega logo essa capa de chuva, não podemos perder a oportunidade, o Dançarino está no jeito pra pegar um monte de jundiás, o Dançarino subindo por causa das chuvas, o Dançarino com as águas enlameadas, vermelhas, perfeitas pra pescar jundiá, e eu em casa, trancado no quarto lendo Os Irmãos Karamazov, eu não pensando em momento algum em ir pescar naquela chuva e meu irmão gritando lá fora, meu irmão segurando com ardor o pote lotado de minhocas e as varas de pescar, dizendo com raiva deixa de lado esses livros, deixa de lado essa preguiça pelo menos uma vez na vida, eu em São Paulo das Missões, não mais em Campo Grande no meu apartamento pequeno, não em Jardim na fazenda a perder de vista de meu pai, em São Paulo das Missões com o mandi chorão mais conhecido por ferrudo grudado no meu pé que ia gradativamente inchando, eu em São Paulo das Missões atendendo aos apelos nada simpáticos de meu irmão e embarcando naquela empreitada, eu que naquele dia não pescara nada que pudesse servir de alimento, apenas um ferrudo que meu irmão jogou pra trás dizendo puta merda nem pra pescar tu prestas, eu que cedi às pretensões de meu irmão e ainda assim não pesquei nada, apenas um mandi chorão conhecido por ferrudo que furou meu pé logo em seguida quando nos preparávamos para retornar, o mesmo ferrudo que meu irmão jogara fora, a dor aguda, o pé inchando, e meu irmão dizendo arranca os olhos dele fora e esfrega a gosma na ferida que logo passa, e eu que sequer conseguia arrancar o ferrão quanto mais esmagar os olhos do mandi chorão na ferida que latejava, eu agora em Campo Grande no meu apartamento de escritor solitário, tentando concluir A Rede, não mais em São Paulo das Missões, mas diante do teclado do meu laptop sem saber se suprimia a última parte recentemente digitada, ou se incluía aquela citação separada desde o início para o fecho do livro, a citação separada desde o início para o fecho de todos os meus livros, mas a citação da qual eu sempre tivera medo de colocar nos livros escritos por mim dado à maneira implacável como os herdeiros do autor da citação pretendida conduziam a utilização da obra do meu escritor predileto, medo porque as indenizações exigidas implacavelmente pelos herdeiros  muitas vezes ultrapassavam o valor da venda total dos meus livros, eu que sempre atingia um sucesso relativo, eu que tinha leitores assíduos, eu que tinha mercado, como se diz, ainda assim eu relutava em sacrificar um eventual lucro nas vendas em favor dos herdeiros do meu autor favorito em troca de uma mísera citação de no máximo uma linha, eu agora de olho no celular que por alguns momentos deixara de trazer as mensagens de meu irmão e de meu pai, o celular que não mais vibrava doidivanas a cuspir os vitupérios de meu velho pai e de meu irmão impacientes, eu agora sem saber o que fazer com os meus personagens justo agora na parte final do livro, eu que sabia de antemão que em breve meu celular tocaria e as cobranças do meu editor seriam bem mais ácidas do que as cobranças de meu pai que exigia a minha presença na fazenda imediatamente para uma simples pescaria, e o meu celular repentinamente quieto, eu não mais em São Paulo das Missões, no barranco do Dançarino tremendo de febre por causa do ferrudo grudado no meu pé, eu não mais no meu apartamento apertado em Campo Grande, eu na camioneta, na autoestrada rumando para Jardim, e meu celular repentinamente mudo, terrivelmente quieto, eu que já temia a fúria incontrolável de meu pai, eu que dependia da ajuda financeira mensal do velho para bancar a minha vida na capital, eu que odiava a fazenda, odiava o campo, odiava pescarias, odiava o editor, odiava os herdeiros do meu autor preferido, sim a citação definitivamente ficará de fora pois eu não toparia sacrificar meu pequeno lucro em favor dos herdeiros do autor citado, não, nada de minha parte para os herdeiros sanguessugas, pior que isso só a chatice carola de meu pai e o ferrudo chorão grudado no meu pé inchado.

domingo, 16 de setembro de 2012

Sr. Sacristão



Até hoje, a maior honraria da minha vida foi ser chefe dos sacristãos, na igreja católica da minha cidade natal, São Paulo das Missões.

Nunca exerci tamanha responsabilidade.

Nunca me senti tão importante como naqueles dias.

Nunca exerci cargo com tamanha desenvoltura e dedicação.
No princípio, era Deus no céu e Antônio na Sacristia.
- In nomine patris et filii et spiritus sancti et Antônioooo!

A irmã Irene, coordenadora da equipe dos coroinhas da paróquia, depositava na minha pessoa a maior confiança do mundo católico.

-Antônio, sob este teu lombo largo de anta carregarei essa sacristia toda.

-Antônio, tu bem sabes, quanto melhor a mula de carga, mais carga para ela. Não vai me decepcionar!

Às vezes eu me atrasava:

- Antônio, enxuga esse suor, que vai borrar sua camisa branca!

- Antônio, sua camisa branca não está engomada!

-Antônio, sua camisa branca está com dois vincos!

-Antônio, sua camisa branca está amarela!

-Antônio, tu estás amarelo, o que andas a fazer nas horas de folga?

Na minha visão, nem o Padre detinha tamanha responsabilidade perante a comunidade.

Certo dia, na porta da sacristia, deteve-me certo cidadão de cabelos longos e que se expressava num dialeto estranho, do tipo aramaico, cuja face esquerda, e também a direita, estava encarnada, como quem tivesse recebido uns tapas. Até creio que parecia com aquelas figuras típicas do Cristo ressuscitado que encontramos nos calendários, quadros etc.

Eu disse a ele que voltasse noutro dia, vez que, nesse, eu estava deveras ocupado realizando um inventário.

Eu era o Sr. Sacristão.

Em determinados dias, eu me transformava em um daqueles acólitos com mania de profeta apocalíptico.

Um verdadeiro cão a ladrar, tal qual João Batista:

- Endireitai os caminhos porque o fim está próximo!

As sobras de vinho sempre me alteravam o humor.

Nos sábados de aleluia acionava as matracas de madeiras com o maior frenesi:

-Plac-palac-plac-palac-plac-palac-plac-palac-plac-palac-plac-palac………………………………………………….!

- Malhai o Judas!

Nem mesmo antes da missa o vinho me fazia bem, por causa do jejum de uma hora para ter direito à comunhão.

No momento da oblação, os sinos em miniatura, feitos exclusivamente para esses momentos, devido às minhas chacoalhadas intensas, repicavam e tilintavam anunciando a transformação do pão e do vinho.

Durante a comunhão, eu ia distribuindo as rodelinhas santificadas, medindo, com repulsa, o tamanho exacerbado das mãos das beatas e do vestido, demasiado comprido, das meninas, com entusiasmo.

Mas o dia que mais me incomodava era o dia de quartas de cinzas, por conta da procissão em que todos os fiéis dirigiam-se, em fila, a uma cruz com o Cristo de gesso dependurado, que estava disposta bem em frente ao altar, para beijá-la, e, eu, munido de um lenço branco, realizava a ingrata missão de livrá-la da espessa e pós-carnavalesca baba cristã.

À parte isso, eu era o Sr. Sacristão, embora com 12 anos.

No dia da procissão de Corpus Christi carregava, ao lado do padre, o turíbulo com o incenso, e, em cada altar construído nos quatro cantos da cidade, eu entupia os praticantes católicos e também os curiosos com a fumaça divina, de maneira que ela lhes ficava impregnada na alma até o próximo ano, ocasião em que renovava a carga com mais vontade.

Eu tinha a chave das oferendas, apontava as missas encomendadas, controlava o almoxarifado, inventariava as hóstias e as garrafas de vinho.

O controle do vinho nunca batia, até hoje não sei por quê.

Um dos meus maiores defeitos era o esquecimento, ou como eu preferia a mente que divagava, assim, esqueci por diversas vezes de abastecer as galhetas com água e vinho, e, na hora da eucaristia, o padre ficava furibundo, dada a necessidade de me dirigir à sacristia e realizar o abastecimento às pressas, o qual deveria ter sido feito no mínimo uma hora antes da missa se iniciar, o que atrasava em muito o ritual.

-Antônio, da próxima vez lhe penduro um sino na orelha esquerda para não se esquecer das suas atribuições!

-Antônio, tu estás doravante proibido de pingares a hóstia no vinho!

- Antônio, da próxima vez não haverá próxima vez, estarás demitido, substituo-te com o tonto do teu irmão e morrerás de inveja, seu papa hóstias avoado!

-Antônio, da próxima vez, me esqueço do meu compromisso da confissão, e conto ao teu pai porque andas te demorando tanto nos banhos!

O fato mais importante na minha carreira de Sacristão foi no dia da eleição para chefe.

Acabei eleito, com a diferença de um voto a meu favor.

Eu não pude comparecer, pois estava convalescente. E, se estivesse presente, sem sombra de dúvida meu voto não seria pra mim mesmo.

Mas no final, deu tudo certo, isso sem contar que no fim do meu mandato a equipe reduzia-se à minha pessoa.

Houve deserção em massa.

Mas isso foi um fato isolado. Permitiu que eu me dedicasse com mais ardor à nobre missão.

O único porém é que até hoje tenho problemas com vinho, lá em casa. Não que eles me façam mal, isso não, mas eu nunca sei de fato quantas garrafas havia na despensa. Sempre carrego a impressão de que deveria ter comprado uma a mais, quem sabe duas.

Mas não tem nada não, vou lá nos fundos, preparo o turíbulo que confisquei na última semana de exercício no meu cargo, capricho no incenso e faço boas nuvens de fumaça, com as quais mando meu sinal para o Cristo, para o verdadeiro Cristo, não aquele pendurado na cruz de gesso com calos de babas de antanho, mensagem criptografada em que lhe peço que retorne às pressas dado o número excessivo de descrentes que perderam a noção da fé e vivem aí pelos cantos a se lamuriar das dificuldades da vida.

Nada pior que isso, eu que já superei diversos momentos difíceis, como no dia em que o padre me substituiu não pelo meu irmão, mas por uma coroinha de 14 anos a qual ele apelidou Lolita a despeito do nome correto ser Adelaide.

Era Lolita pra cá, Lolita pra lá.

E eu despedido e tendo de me explicar com meu pai que esfregava nas minhas ventas, possesso, as últimas contas de água e energia elétrica.

Não chamava Adelaide, o nome de batismo. Era só Lolita pra cá, Lolita pra lá.
- in nomine patris et filii et spiritus sancti et Lolitaaaa!

- Lolita, diga cá ao padrinho quantas garrafas de vinho inventariaste?

Não dizia Adelaide, mas sim Lolita, Lolitaaaa!

- Quantas? Apenas isso, tens certeza, meu anjo? Contaste duas vezes?

- Jesus Maria José! Onde anda aquela anta do Antônio?

 

sábado, 8 de setembro de 2012

Fumos boni civis


Emocionamo-nos com as ficções; mas somos indiferentes à dura realidade.    Confundimos as ficções da realidade com a realidade das ficções. Choramos nos filmes e maltratamos o primeiro mendigo que encontramos.

Lenio Luiz Streck.


Um pobre cão abandonado. Um dócil vira-lata mirradinho, dormindo, encolhido num canto, sob o mais duro concreto. Enquanto Cristiano, munido de seu espírito altruísta calibre 45, se aproximava, visualizou: era um filhote, judiado pela noite que se derramava em orvalho. Orvalho que em breve, por causa do clima gélido que pairava, naquele mês de julho de 2012, sobre Campo Grande, se transformaria, inexoravelmente, em geada. Salvar o combalido cachorrinho deu trabalho (mas nada que arrefecesse seu ânimo de caridade): precisou repelir, com certa força, um trôpego mendigo bêbado que dividia, com o miúdo canino, o canto escuro de um prédio abandonado na Avenida Afonso Pena. - Ô raça humana! Não demorou muito (ele morava ali perto numa aconchegante mansarda) e o agraciado cãozinho dormia, agora bem alimentado, num felpudo tapete. Deu-lhe o nome de Fumaça, por causa da névoa dessa noite, que dificultou, mas não o impediu de realizar um ato de amor à vida.


domingo, 2 de setembro de 2012

A namorada


Quando eu tinha treze anos, arrumei uma namorada. Paixão ao primeiro sorriso direcionado à minha mirradinha pessoa. E ela também correspondeu ao encanto, ficou deveras enamorada por mim, naqueles dias. Entretanto ela não gostava de namorar comigo. Somente me namorava quando ficávamos a sós, escondidos. Aí sim, aproveitávamos. Eu lhe contava umas historinhas, todas inventadas, evidente, lhe falava dos filmes que passavam na televisão, filmes do impressionante Robocop, do Rambo, Superman, etc, das telenovelas, novela Tieta, Irmãos Coragem, O Outro, e narrava as brincadeiras com os meninos e as meninas da cidade, das nossas artimanhas para ludibriar as mães, como roubávamos ameixa da vizinhança, como era gostoso brincar no parquinho com todas aquelas parafernálias, instrumentos do divertimento, modernas ferramentas para divertir feitas a ferro fundido, lhe contava dos jogos de futebol na quadra coberta, dos tropicões nos paralelepípedos, que, à noite, precisávamos trancar as portas com medo de eventuais assaltos. Ela morava na roça. Lá, não havia televisão, parquinho, quadras cobertas, ruas com calçamento, ladrões... Lá, roubar ameixa não tinha graça, lá, as ameixas apodreciam em todos os pomares. Fartura.  Porém, ela sabia, e eu sabia que ela sabia, que lá em casa também não havia televisão. Ela havia reparado nas minhas calças de brim pra lá de velhas e nos meus chinelos de dedos. Era por causa dos meus chinelos de dedos e das minhas calças de brim puídas que ela somente me namorava às escondidas. Ela contava pras amigas que namorava um garoto da cidade, e, na teoria, garotos de cidade não andavam por aí de chinelos de dedos e calças de brim desgastadas. Certo dia, lhe pedi um beijo. Ela trovejou “só se tu me deres um laka como fazem num comercial da tevê”.  Não foi preciso me dizer que o pai dela comprara uma televisão. Eu deduzi que perdera, além do beijo, a namorada. Culpa da televisão.

domingo, 26 de agosto de 2012

Jundiá

Alexandre, o grande, era bolicheiro e vendia cachaça e vermouth pros lavradores, lá na Vila Auriverde. Vendia mais cachaça que vermouth. Vermouth somente nos sábados. E do branco. Alexandre, o grande, tinha um maverick e um irmão de cognome Jundiá. Jundiá bebia cachaça e vermouth com os lavradores. Mais vermout que cachaça. Jundiá, sempre que lhe dava na veneta, furtava o maverick e dava voltinhas na vila. Mas Jundiá não tinha carteira de habilitação e comumente colidia o automóvel do irmão em algum obstáculo. A vida de Jundiá era cheia de obstáculos. De tanto sofrer reparos na lataria, Jundiá apelidou o maverick de lasanha. Só tem massa, dizia. Essas afrontas, Alexandre, o grande, não tolerava e ordenava aos seus capangas que dessem um susto no irmão. O susto era uma surra de açoite. Todavia Jundiá era amigo de toda gente, inclusive dos capangas do irmão e nada lhe sucedia, ou quase nada. O comissário de polícia da vila também não morria de amores por Jundiá. Por isso, semana sim semana não Jundiá fazia uma visita ao xilindró da cidade, por dirigir sem habilitação e/ou embriagado. Jundiá, embora lavrador, quase nunca trabalhava, mas sempre tinha dinheiro. Quase nunca tomava banho, mas namoradas não lhe faltavam. Quando chegava nos bailes de sábados na vila, os músicos ofereciam, de imediato, uma música pra ele dançar. Nos botecos, tinha crédito ilimitado, menos no do irmão Alexandre, o grande. Muita gente se perguntava de onde Jundiá tirava tanto dinheiro. Diziam, alguns, que ele tinha um pacto com o demo. De fato, nos cultos evangélicos, ele, às vezes, adentrava só pra proclamar que aquilo tudo que fora apregoado até então era mentira, tudo mentira. Algumas vezes, nas exorcizações, concitava, com veemência, satanás a resistir à tirania dos crentes que desejavam expulsá-lo dos corpos possuídos. No jogo do bicho, ganhava constantemente, o que aguçava ainda mais o imaginário popular. Jundiá se irritava muito quando lhe diziam que deveria seguir o exemplo do seu irmão Alexandre, o grande. Franzia o senho e dizia a vida é cheia de obstáculos. A vida é cheia. Jundiá e suas frases de efeito. Alguns desavisados, certo dia, quiseram que Jundiá se afiliasse no partido político e concorresse a vereador nas próximas eleições. A eles Jundiá nada disse, apenas os tratou com desdém. A vida é cheia de obstáculos. A vida é cheia.  

sábado, 25 de agosto de 2012

Falácia brasileira


 
        MP.

        Ele recebeu uma encomenda inopinadamente. Totalmente inesperada.

         Hoje à tarde, 13 horas em ponto, o carteiro lhe entregou o pacote de sedex tamanho médio, com várias voltas de fita de empacotamento transparente lacrando a caixa, a denotar que o conteúdo deveria ser precioso ou frágil. Deveria ser em mãos próprias, da forma que viera carimbado pelos correios, explicitamente, em caixa alta: MP.

        - Documento de identidade, por favor, grunhiu o estafeta estatal.

        - Bom rapaz, agora assine aqui, nome completo, e sem abreviaturas.

        Assinou, por extenso, Ezra Fagundes, com letra tremida, porque o papel estava numa prancheta estendida pelo carteiro.

        Ao dar o visto do recebimento, pensou em anotar, a título de complementação, profissão: escritor. Tempos atrás, teria de anotar servidor público federal, do Ministério do Planejamento, cargo comissionado, com orgulho.

        Não fez nada disso.

        Ponderou se essa informação adicional não seria motivo de pilhéria posterior, por parte do entregador da encomenda.

        Escritor, como isso seria possível, se o nome transcrito era desconhecido, diria, rindo à socapa, era preciso relatar tamanha soberba aos colegas de ofício. Escritor é uma profissão? É evidente que não. Carteiro era uma profissão. Escritor, salvo de novelas televisivas, jamais. Haveria alguém a ganhar o pão, neste país, que tivesse a ousadia de intitular-se escritor?

        O carteiro já se fora, quando percebeu que não havia indicação de remetente.

        Remetente?

        Ninguém. Sequer um nome abreviado, logradouro ou código de endereçamento.

        Ezra acentuou o rosto contrariado. Isso era uma afronta.

        Primeiro, a importunação do carteiro, na santa insistência de entregar o pacote em mãos. Poderia tê-lo entregue ao porteiro do prédio. Preferiu seguir as regras dos correios. MP. Mãos próprias.

        Segundo, a ausência de remetente na encomenda. Agora, as normas de postagem de correspondências foram violadas. Principalmente nesse caso, por ser uma remessa importante, serviço especializado, entrega expressa.

        Deixou-a de lado por alguns instantes.

        Foi à geladeira, bebeu dois goles de água. Depois, ao banheiro. Lavou o rosto. Fez cara de mau, no espelho. Lembrou-se da fisionomia do carteiro. Um sujeito bonachão. Não teria coragem de debochar de um cliente que ajuda a pagar o seu salário. Teria?

        Novamente a geladeira. Um refrigerante de cola e cafeína, para acordar. Esse não era o horário habitual de estar em pé.

        Escritor, deixou escapar.

        Fazia 5 anos que entrara nesse ramo, nessa profissão. Abandonando o emprego anterior de funcionário público do Ministério do Planejamento. E há cinco anos buscara, em vão, seu espaço, no concorrido mundo literário. Apenas livros medianos, personagens medianas, vendas medianas. Contos. Célula unívoca. Personagens se preparando para o clímax. Enredo curto. Falta de fôlego. Um romance, sua aposta para romper o ostracismo.

        Abriu o pacote, de uma só vez.

        Um livro. Um belo livro. Novo, cheirando à tipografia, brochura, capa negra, folhas estilo sépia, o título escrito em letras douradas.

        Folhou-o: 512 páginas, todas em branco.  

        No centro, uma folha avulsa, solta.

        MP.

        Mãos próprias. Deverás escrevê-lo em mãos próprias.

        Falácia brasileira, o título.

        Dou-te apenas a senha do sucesso: Falácia Brasileira. Tu já tens o resto. Não precisas de mais nada, além da marcha e do incenso da vitória.

        Siga as instruções de uso e terás o resultado que em delírio algum poderias imaginar.

        Serás o 1º escritor brasileiro a levar a láurea cobiçada, o Nobel de Literatura.

            Ezra Fagundes coçou o nariz, passou a mão na cabeça, apertou a nuca por alguns segundos. Não fosse o gigantesco MP logo após o seu nome, carimbado na caixa, não acreditaria que a encomenda deveria ter sido retirada em mãos próprias.

        Não perdeu tempo, com as próprias mãos, a lápis, redigiu o seu discurso da solenidade de entrega da premiação do Nobel de Literatura.

        Depois, foi para a internet pesquisar, precisava saber e já quanto daria o prêmio em moeda nacional.

 

 

sábado, 11 de agosto de 2012

Crianças

Sol a pino, 40º C, megafone empunhado, o publicitário, pastor de ovelhas sequiosas, incansável, anuncia a boa nova aos dizimistas  "deixai vir a mim as criancinhas", esse é o lema "deixai vir a mim as criancinhas", eis o engodo "deixai vir a mim as criancinhas", um outdoor gigantesco "viver é gostoso", logo "deixai vir a mim as criancinhas", o megafone calibre 38, fumegante, em punho e "olhem a alegria das crianças de escola pública ao adentrarem no ônibus da coca-cola, que as conduzirá a uma visita à fábrica", o megafone "reparem na alegria", o megafone, o publicitário, o pastor de ovelhas anuncia a boa nova aos dizimistas "para beberem coca as crianças de escola pública vão à fonte, à fábrica, o megafone " as das escolas privadas precisam ir à cantina", mas o megafone rouco "as crianças das escolas privadas também vão à fábrica da coca-cola a passeio". Enquanto o megafone pigarreia e limpa a garganta com um gole d' agua, cristalino, o acólito suspira, entediado, "eu sei que as crianças de escola privada também vão à fábrica da coca a passeio, mas não alegres", o acólito, aproveitando a distração do megafone, o acólito "por que será que os bois e as vacas sobem tão tristemente nos caminhões boiadeiros", o acólito "a que lugar vão passear as crianças de escola pública do árido nordeste brasileiro?, o acólito, observando o megafone sorver diáfanos goles de água, "vão às cacimbas e às cisternas beber água?, o acólito "mas há gente como os bois e as vacas que ainda sorvem água?", o megafone fazendo gargarejo "deixai vir a mim as criancinhas" e depois "estendem aquela faixa, pichem os muros, porque coca-cola é muito gostoso".

domingo, 5 de agosto de 2012

Meu amor à prova de antivírus - 3ª parte


              Juca,

            Machado de Assis por certo que tinha razão ao anunciar ao vencedor as batatas, mas no seu caso deveria ser ao vencedor as bocetas, falo isso porque, como você não toma coragem (e juízo, e vergonha na cara e sensibilidade) de me contar suas últimas conquistas amorosas por meio do caminho mais curto, a internet, falo da Piu-piu (aquela loira bombada) e também da Red Apple (a ruivinha metida a intelectual, poetisa e o escambal), eu resolvi pôr o dedo na ferida e tocar no assunto, já que pior que esse seu silêncio sufocante não vai ficar, já que você, agora que reside na sua bolha erótica e agora (justo agora) os ventos da conquista enfunaram suas velas (e também sua rola), me brindou com seu desdém, agora que resolveu não mais cuspir e gozar naquela que já comeu, então eu resolvi aproveitar o ensejo, a deixa que você não me deu e dizer que tudo bem, mesmo que não me pediu desculpas, mesmo assim eu te perdoo, não tem nada não, nosso caso é diferente, não fizemos juras de amor e sim juras de amizade, que é muito mais que amor, esse pseudo sentimento inventado pelo cristianismo e pelo romantismo, essas escolas escrotas que só souberam deturpar e mascarar a verdadeira essência da humanidade.

            Pode continuar suas aventuras no seio da internet, isso não me ofende, já que nunca lhe cobrei fidelidade. E se esses relacionamentos, como o nosso, saírem do mundo online e se tornarem realidade, então que sejam eternos enquanto durem, e pra você deixo meu recado, meu não, de Machado de Assis, Grande Lascivo, espera-te a voluptuosidade do Nada!

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             Lena,

            Lena, Lena, minha gatinha levada, pare de rosnar, caso contrário se transformará numa criatura híbrida, feia, repulsiva, etc etc, não é assim que as coisas funcionam, não fale sobre o que você não sabe, meu bem. O período em que caí convalescente foi de grande serventia para mim, me fez refletir em tudo o que tem acontecido em minha vida, e, para minha surpresa, era exatamente o que não deveria ter acontecido, isso tudo, entre mim e ti, surtiu um efeito indesejado, efeitos colaterais diversos, e o mais preocupante é essa ideia que se apossou do meu ser em que penso ser possível e estar ao meu alcance qualquer tipo de conquista, seja ela no campo amoroso ou no profissional. No campo profissional, e isso você não mencionou, minha carreira literária de repente deslanchou. Digo carreira, mas acho que dizer que venci, enfim, um concurso literário, concurso de contos da Playboy, que recebi de prêmio um “automóvel último modelo e que anda comigo apinhado de pândegos e de putas” (Fernando Pessoa), acho que isso não é exatamente uma carreira literária, todavia as coisas estavam indo, FINALMENTE,  às maravilhas, conforme havia um dia sonhado, mas não é assim que penso hoje; no campo amoroso, como já sabe, surgiram a Piu-piu, advogada paulista, que não sei como descobriu meu e-mail e atamos, então, de imediato, sem meias e sem peias, um relacionamento sem compromissos, sexo casual, já que ela tem clientes em Campo Grande, embora atue mais em São Paulo, mas já passou, foi eterno enquanto durou, ela está em outra, digo outro, acho que não gostou da divulgação do meu nome na mídia, e ficou com medo (do marido?) de ficar com sua imagem associada a um escritor de contos eróticos, enfim, depois a Red Apple, essa ruivinha me deu mais trabalho, no bom sentido, no bom sentido pra mim, no caso, porque a garota realmente fazia jus a lenda de que as ruivas são depravadas e fornicadoras, o que foi gostoso por certo período, porém depois de uns dias seguidos com ela querendo todo santo dia, pedindo mais e mais e mais, puta merda, foi a gota d’agua, o fim da picada, ou o fim da minha pica, que se afinou, encolheu, eu não quis mais, perdeu o encanto, essas coisas se desgastam depois de certos anos de uso, sabia? Pois é, disso tudo concluo que a minha vida deu uma guinada de 360° como se diz por aí, e, o mais importante, perdi minha paz de espírito, ando agora dando entrevistas (recebi outro prêmio essa semana noutro concurso bem prestigiado de contos lá do Paraná, concurso Paulo Leminski, que me rendeu boa grana também) e teve, inclusive, gente me seguindo para me fotografar, vê se pode, até taxista já me reconheceu... Lena, não quero isso pra minha vida, essa azaração, para usar um termo mais moderno, essa curtição pra mim já deu o que tinha que dar, não posso ficar nessa por mais tempo, não aguento mais, então essa é a principal razão da minha sumida, do meu “silêncio eloquente”, já que essa sucessão de fatos e acontecimentos me envolveu por completo. Não quero mais, sinto muito. Não digo adeus porque não é definitivo. Não digo adeus porque permanecerá a amizade, a qual era a principal razão de nosso envolvimento. No entanto, pra continuar no terreno da contradição: Adeus!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Meu amor à prova de antivírus – 2ª parte

                                                                                                                                 
Para Anna Karenina

Juca,

Ontem à noite fantasiei como gostaria que fosse a nossa 1ª vez.

Na minha cabeça ficou assim:

Começamos por beijos ardentes e fortes, em seguida fico nua e sento em seu colo e trocamos varias carícias... Ficamos nessa um bom tempo...

Depois, já na cama, loucos de desejo, você chupa os meus seios, que são pequenos e cabem inteiros em uma boca gulosa, e com força vocês os aperta de modo que eu grite de tesão...

Então, começamos a nos chupar, você faz de minha boca uma bocetinha e mete nela, sem dó, até que você a encha com seu gozo... Depois dessas preliminares, descansamos um pouco, para logo em seguida concluir as nossas outras malícias.

Na segunda parte de nossas peripécias, nos excitamos novamente e você me fode, de quatro, freneticamente, em seguida, com a cabeça do seu pau, você usa da minha bocetinha para lubrificar o meu cuzinho, para que então possa me enrabar com a fúria lasciva que dentro de ti habita e depois de suas fortes estocadas gozamos euforicamente.

Amo ser conduzida, subjugada e judiada na cama, sou discípula de Sade, portanto não poderia gostar de outra forma...

Desculpe se fui mui audaciosa, mas não resisto, sempre penso em sexo com você, isso a todo o momento!

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Lena,

Deus meu!

Já estou aqui, me escondendo atrás da mesa... Amei essa sua fantasia, façamos esse ritual então... E que sejamos os amantes mais felizes da face da terra. Beijos...

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Juca,

Digamos que nossa amizade é bem colorida... Fica de boa que a sua hora chegará, tente se controlar, você nem sabe o que achar de mim, sei lá, vai que não sou o seu tipo de mulher... Você sem duvida é meu tipo de homem, amo pessoas assim como você, me excita!

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Lena,

Não sou apegado a padrões de beleza. Mas realmente o que me afasta de mulher é a falta de química. Olho pra mulher e não sinto confiança, então fujo como o diabo da cruz. Já tive experiências amargas na mão de uma mulher. Por isso me contenho...

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Juca,

Nossa, amei os poemas que você mandou, suas palavras fazem os olhos e ouvidos gozarem... Que lindas palavras você guarda dentro de ti, puxa isso não se adquire, isso é nato... Hahahahaha... Posso falar que transei com um poeta agora... Que as mocreias morram de inveja... Essas não são minhas impressões ainda tá, só comentários...
Uma joia precisa ser analisada com mais rigor, vou comentar linha por linha... Quem sou eu pra te analisar?Mas mesmo sendo uma farofeira, vou comentar o que senti lendo a suas riquezas... Meu Deus sou uma piranha... Homens com o dom da Palavra me seduzem tão facilmente e ainda me fazem abrir as pernas num estalar de dedos. Ai que tudo seus poemas, me faz soltar as minhas plumas!

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Lena,

Esses poemas não têm tanto valor assim... Concorri com eles em um concurso e neca pitiribas... Não deu... Estava com esperanças, mas não fiquei sequer entre os dez melhores... Se ler os 10 primeiros não vai acreditar... Sinceramente eu me colocaria entre os cinco primeiros... Mas sou suspeito pra falar...

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Juca,

Acontece que esses filhos da puta são um bando de moralistas, vai ver tinha uns crentes lá... Sabe como esse povo é, querem que você escreva o que eles querem ouvir!

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Lena,

Quando fui me inscrever pessoalmente, o velho que me recebeu estava ouvindo música clássica e pensei "perdi" meu dinheiro da inscrição... Hehehehehe... Tinha uma cara de bunda o filho duma égua... Mas claro que teve uns poemas massas por lá... Pra mim, o melhor foi o 11º colocado, esse sim merecia o troféu. Eu fiquei desiludido, pois queria apresentar minha performance de declamação... Hehehehehe (mentira). São poucas as pessoas que gostam dos poetas. Normalmente os poetas são uns quebrados, falidos, endividados, mendigos, bichas, (exagerei) e as mulheres gostam mais dos cheios da grana e também dos malhados (os bezerros malhados)... A pilhéria que há nesse e-mail...


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Juca,

Ai, credo! Essas mulheres tem um mau gosto pra homem, pois dinheiro só me faz feliz, se for meu, somente meu... E corpo sarado pra que?! Pra carregar o guarda roupa?? Ai, acho homem vaidoso de uma boiolagem sem tamanho... Afff. Sabe que depois que casei, exclui meu orkut, e parei de participar de fóruns já pra não cair em tentação com as palavras poéticas de certos homens, pois sou fraca mesmo, amo e não resisto!

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Lena,

“Palavras poéticas de certos homens”? Têm muito poeta solto por aí, na internet? Porra, eu pensei que fosse ave rara??? Mudando de assunto, não ando bem... Acho que vou adoecer, sei lá, estou estranho, com febre... Será a dengue?

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Juca,

Ai, não creio que isso aconteceu... Puxa vida, fiquei muito preocupada agora... Você já foi ao médico fazer exames? Olha, toma muito soro, mesmo que não aguentar mais tomar, e beba leite de soja que tem fácil digestão... Ai, se estivesse com você, lhe faria uma canja de galinha e cuidava de ti...Pede pra alguém fazer, pois ajuda o corpo a se recuperar (isso é científico, viu). Se não conseguir comer, force a entrada, se vomitar, come de novo, pois é o único jeito de você se recuperar, olha, coma inhame cozido ou batido cru junto com leite (é gostoso, viu), é muito bom pra quem está como você. Tome água de coco porque essa bebida faz milagres e ajuda a repor os sais que o corpo perde... Febre é só com canja e paracetamol pra dar jeito, mas não abuse desse medicamento, pois danifica seriamente o fígado, veja o limite na bula... Se você tiver queda de pressão, corra imediatamente ao médico porque é grave e pode, Deus me livre, te matar... Olha, faça tudo o que lhe disse acima, tenho conhecimento e experiência com essas coisas... Na minha família já cuidei de gente doente e vi como minha mãe e avó ludibriavam os sintomas de doenças corriqueiras... Se cuida, amor, por favor, se cuida, pois com a vida não se brinca, repouse bastante, tente comer pra você não piorar e não se esqueça de me mandar o seu boletim médico pois estou preocupada. Que você melhore logo, estarei aqui torcendo pra isso... Beijinhos no meu doentinho amado!

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Lena,

Só foi adoecer e me taca um “amor” na testa... Faltou o “eu te amo”... Você esqueceu-se do nosso combinado, bebê? Já melhorei, mas o humor está péssimo, deu para perceber?

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Juca,

Quando digo “amor”, não espero troco, muito menos que corresponda...

Gosto de sentir o sublime, e quando levo um pé, apenas espero que amor vá se diluindo e sumindo aos poucos... Não imploro o amor de ninguém, pois não ligo de não ser amada, eu gosto mesmo é de amar... Tenho o ego destruído desde a adolescência, eu mesmo o quebrei logo, e o que importa mesmo é o que sinto em relação à vida e neste momento sinto amor e paixão e isso me faz feliz.

Se um homem não quer todo o amor e carinho que ofereço,tal sentimento não será inutilizado, serve para aquecer o coração, mas também posso guardar para quando aparecer outro e assim vou levando... Não estou dizendo que não vou sofrer com sua rejeição , mas que apenas não protestarei sua decisão, implorar não adianta, ou você é sádico e gosta de ver mulher sofrendo?!

Eu já me relacionei com homens como você, o sistema é "bruto"... Logo você enfastiar-se-á da minha pessoa, é uma questão de tempo e oportunidade... Mas te pergunto, posso fazer algo?

Nada, nada posso fazer diante da falta de desejo de um homem! Já teve sua dose de minha volúpia, já sentiu meu líquido escorrendo entre seu membro e pernas, já me viu virando os olhos, como se diz por aí...Vai ver que se enfastiou...

O que posso fazer é esperar que o amor se dilua ou mesmo arrumar um tira-gosto pra te esquecer...

Eu sei que não lhe agrado tanto, sei de várias coisas, Juca, pois da vida não sou despercebida, mas veja que com todas essas contrariedades ainda sim eu tenho sentimentos fortes por ti, quando amo, faço isso de maneira incondicional, não fico cobrando nem perturbando, apenas amo...

Meu único consolo é saber que amor não é pra sempre, pois quando acaba a lenha acaba a fogueira e eis que aparece um novo lenhador para reacender o que morto estava!

É isso aí, a vida é uma desgraça mesmo, mas o que podemos fazer além de dançar conforme a música?!

O que aconteceu, está bravo com alguma coisa?