quinta-feira, 12 de julho de 2012

Meu amor à prova de antivírus – 1ª parte


Para Anna Karenina

         Lena,

         Por segurança, resolvi criar um e-mail fake. Não existe nada mais raivoso e violento que um marido que se considera traído. Não sei se esse é o caso do seu digníssimo, mas os prevenidos morrem velhos. Olhe bem na caixa de saída e de entrada. Por precaução, sugiro que apague todas minhas mensagens anteriores, inclusive as enviadas por você. Não se esqueça da caixa de excluídos, pois sempre ficam por lá uma boa coleção de e-mails velhos. Sei que você tem um endereço alternativo, mas precaução nunca é demais. Pode ter certeza: jamais vou lhe constranger, jamais vou lhe causar qualquer problema, jamais quero ser sua dor de cabeça. Não fique com vergonha de mim. Não fique. Não precisa se envergonhar dos seus instintos e impulsos. A culpa é nossa, não apenas sua. Não farei um movimento sequer sem contar com sua autorização.

         Sejamos amigos.

         Bons Amigos.

         Amicíssimos!
         Se algo rolar, rolou e ponto. Também tem outra questão: talvez ao ouvir minha voz, ver meus trejeitos, minha silhueta, sentir meu perfume, desista de mim. Talvez tudo não passe de uma fantasia. Nada mais. Mas lhe peço: aconteça o que acontecer, não deixe de ser minha amiga, por favor. Na minha concepção, a amizade é um sentimento amplo, maravilhoso. Sou uma pessoa difícil no dia-a-dia. Meus relacionamentos fracassam depois de certo tempo. Não sei explicar ao certo o que é, mas com o tempo perco o interesse pela pessoa se ela não for uma pessoa extremamente interessante. Você me parece ser uma pessoa assim. Não quero problemas pra você nem pra mim.

         É isso aí, continuo à sua disposição, da maneira que quiser, apenas não posso ser algo mais sério. Não agora.

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         Juca,

         Que bom que definiu bem as coisas, gosto de saber onde estou pisando.

         Sou exatamente como você, difícil de combinar, sou inconstante, não ofereço estabilidade a ninguém porque nem eu a possuo. Sou sensível ao tédio, não gosto de ser cerceada e não faço nem a pau o que não gosto (isso em todos os setores da vida).

         Gosto de ser livre para agir, não gosto de ser cobrada e também não faço cobranças. Mas isso não tem aplicabilidade imediata na minha vida, pois minha família  é bem apegada à tradição, cobra meu papel de esposa dedicada que cuida do marido, mas  não satisfiz as vontades da minha família, e, se meu marido  quer continuar comigo, que continue a lavar e passar suas próprias roupas, bem como fazer metade das tarefas domésticas (talvez seja esse o motivo real da minha sogra vir pra cá), não interessa se não estou trabalhando, já que isso foi opção dele, e quem banca meus livros e meus cursos de literatura é o dinheiro que tenho guardado.

         Não me submeto a homem nenhum, nunca mesmo, e aqueles que tentaram me submeter caíram feio do cavalo, sou indomável... Se os homens não se submetem a mim, que não esperem semelhante sacrifício... Não me custaria lavar a roupa do meu marido, pois a máquina faz tudo, e é só estender, e tenho tempo para tal, mas por idealismo não faço... Sou criticada pelo excesso de feminismo, mas não tem jeito, não fui educada para servir, mas sim para ser servida. Digo que nasci com a pá virada, sou um homem no corpo de uma mulher, a natureza deve ter se confundido na hora de determinar o sexo... Detesto mulher que faz de tudo para agradar o homem, detesto silicone e essas mulheres que usam do corpo para conquistar os homens, tenho vaidade (e como tenho), mas não  uso dos meus atributos para conquistar e fico muito irritada quando um homem me nota apenas pelo físico,  a beleza, infelizmente, coloca a mulher como um pedaço de carne fazendo com que os homens e seus falos insaciáveis nos tratem como objetos. Tenho fobia de futilidades e fujo desses perfis. Fico chateada quando você fala que posso não gostar do seu físico, se acha que sou esse tipinho de gentalha, você precisa me conhecer mais a fundo,  meu marido até que não está fora dos padrões de beleza, todavia me casei com ele porque é muito inteligente, pena que não quer mais compartilhar comigo seus dotes, mas isso não é pretexto para a minha traição, viu, não projeto nos outros as minhas falhas, pois como disse antes, ele é muito bom pra mim, o único motivo da minha traição (digo isso porque já me masturbei várias vezes pensando em você) é o fato de estar atraída por você, de tal modo que não consigo controlar o desejo. Detesto homens vaidosos e com cara de galã, em nada me apetecem esses tipos. Um homem para me agradar tem que ser culto, acima de tudo.

         Sobre mim: A vida foi ingrata comigo, não posso ter filhos, posso engravidar, mas o aborto é certo porque meu útero não tem estrutura para uma gestação e o feto alojar-se-ia nas trompas, e para meu azar me casei com um homem louco pra ser pai e tenho uma sogra doida pra ser avó. Só que meu marido não sabe disso, agora só você, ainda não contei e para todos os efeitos digo que por agora não quero ser mãe, minto já que sei que isso vai detonar o que já está querendo cair. Fico muito triste pela minha esterilidade, mas acho que a natureza já me impediu, pois sabe que não tenho perfil pra ser mãe.

         Se  meu casamento fracassar, nunca mais quero me casar, só namorar, mas cada um no seu quadrado. 

         No mais é isso que me norteia...


         Sim seremos amigos para sempre, independente do que acontecer entre mim e ti, pois nosso elo não é físico, mas intelectual. Nunca senti tanto prazer em conversar com alguém como senti com você... Relaxar é impossível, meu fogo não se apaga facilmente, sou entusiasmada com tudo desde pequena, alimento bem a minha fogueira para manter aceso o fogo...
Ah, não se preocupe com meu marido, ele nunca saberá quem é você, sou cautelosa e discreta e já apagava todos os e-mails antes mesmo de você citar, além disso, ele não é do tipo agressivo, e também goza de certas liberdades dadas por mim...

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         Lena,

         Gosto de você assim como é, se não fosse assim, não teria me aproximado. Levar adiante um casamento que está indo pras cucuias é muito, mas muito complicado mesmo. O mais importante é o respeito um pelo outro. Independente de traições, o importante é respeitá-lo como ser pensante que é, independentemente de seu feminismo.

         Falo do meu corpo, pois não gosto de decepcionar ninguém, e por isso jogo limpo, pois se talvez buscasse alguém com bela aparência, não iria se enganar comigo.  Infelizmente, o que a grande maioria das mulheres, hoje em dia, busca é um cara bonito e com grana. Não é o meu caso.  Mas se não ficasse satisfeita, por mim tudo bem, só não gosto de criar expectativas falsas.
         Não deixe que o casamento lhe faça infeliz. Quer dizer, nem sei se é infeliz, talvez menos feliz que poderia ser... Mudando de assunto. Já leu Hilda Hilst? Acredito que sim... Sou encantado pela poesia dela. Aliás, percebo agora, como gosto da literatura feita por mulheres, incrível isso. Adoro esse trecho: Extasiada, fodo contigo em vez de ganir diante do Nada. Fantástico!
 
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            Juca,

            Quero deixar bem claro algumas coisas, por que não gosto que me confundam.

            Não vou culpar o meu marido pela minha infidelidade só para me eximir da culpa, quem faz   isso é detestável e covarde... Não sou uma mulher vítima do destino, mas  senhora dele. A culpa é minha por não resistir a você, só minha, e pretendo abrir caminho para que o meu marido seja feliz com outra pessoa, pois não estou cumprindo esse papel. Outra coisa: se chegar a me divorciar do meu marido, não pense que será  para efetivar um compromisso  ou ter um relacionamento sério com você. Nós dois sabemos o que a rotina faz com um relacionamento, quero  ter lhe eternamente como amigo e confidente, e  se possível meu amante de vez em quando, caso você queira, é claro. Quero me deliciar na cama com você, fazer algumas sacanagens...

            Isso me basta, não quero mais nada, além disso, um passarinho só é lindo quando livre, não vou cobrar uma postura nem mesmo serei um pé no seu saco... Quando não mais me desejar que  você me fale com todas as letras, pois quero manter  o nosso elo  intelectual.

            Então é isso, quero que me veja além das limitações a que fomos  impostos...

            Beijinhos.

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            Lena,

            Ok. Combinado. 
            Aceito essas condições. Que se fortaleça nosso elo intelectual!
            E sejamos amigos sempre e amantes quando convier a ambos. E que nos deliciemos um com o outro intelectual e sexualmente.
            Beijos.

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            Juca,

            Não conheço a obra da Hilda, mas só pelo trecho já fiquei interessada...
 
            Sobre meu casamento: infeliz não sou, pois minha felicidade não depende só dos outros, a felicidade depende de mim, entendeu...?  Agora não tenho moral de me separar, pois tudo esta relativamente bem em casa e este ano quero paz para estudar, sem contar que seria um estresse muito grande, o que prejudicaria os meus estudos... Por enquanto, vou levando em banho-maria, e você será o meu delicioso segredinho! 

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            Lena,

             Hilda é maravilhosa. Mas só conhecendo a obra mesmo pra saber se gostará. Claro, não se afobe quanto ao casamento... Poderíamos sorver um café juntos por esses dias? Sorvê-lo-ia com muito prazer? Beijos.

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            Juca,

            "Sorvê-lo-ia com muito prazer”. Não consigo desvincular essas frases suas do ato sexual... Me desculpe, mas isso que penso procede?!
 

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            Lena,

            Claro, me conhece bem em tão pouco tempo. Gosto muito da linguagem metafórica. Dizer algo significando outra coisa. E enfim, através das vadias palavras, ir alargando os nossos limites (Manoel de Barros). Amo poesia, amo palavras com sentido dúbio... Queria servir-me de ti, libidinoso que sou. Queria tê-la por inteira, amante doidivanas que sou.
Queria que teu gozo me transformasse no homem mais feliz desta cidade.
Teu gozo quente escorrendo pelo meu corpo seria a redenção.
Se me lambuzar com seu líquido de orgasmo, estarei nas nuvens. Seu gozo é-me um troféu. Seus êxtases e gemidos são música clássica para meus ouvidos. Seu orgasmo para mim é o céu. Beijos.

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            Juca,

            Puxa você escreve tão bem... Deveria escrever um livro, pois tem talento pra fazer poesia!

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            Lena,

            Se quiser mando pra ti algumas coisas que já escrevi. Poesia e contos. Mas coisa de amador. Quando cursava faculdade, duas professoras piravam na batatinha quando eu lhes apresentava algo pra ler... Diziam que eu já poderia publicar. Mas eu não me engano, não sou tolo. O mundo da literatura é o mundo mais podre e hipócrita que existe. Sórdido mesmo. Precisa vender a alma ao diabo para publicar. Precisa se adaptar aos conceitos comerciais de literatura. Isso eu não faço jamais. Serei um Antonio Lobo Antunes, Enrique Vila-Matas, Thomas Benhardt, Hilda Hilts, Adélia Prado, Clarice Lispector, Florbela Espanca, meus escritores prediletos. Mas eu não estou nem aí, vou ganhar grana o suficiente pra publicar o meu livro da forma que bem entender, sem fazer concessões aos editores. Mas isso leva um bom tempo ainda, mas tenho comigo que irá acontecer. Beijos.

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            Juca,

            Como assim amador? Você é tudo menos amador... Escreve com categoria e classe, tem o dom da palavra, lindo mesmo!
Aquele e-mail relatando as suas fantasias sexuais, por exemplo, seria um frenesi para Sade de tão bem escrito... Eu investiria na literatura erótica, é muito gostoso de ler. Amo! Bom agora vou estudar e tomar um café pensando em ti. Beijinhos.

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            Lena,

            Justamente é essa literatura erótica a mais descredenciada perante a elite dos literatos. Drummond quase caiu em descrédito quando publicou suas poesias eróticas. Pra Hilda muitos ainda torcem o nariz. Mas esse lance de literatura é mais pra frente... Agora minha poesia é você... O mais encantador dos sonetos... Bons estudos... Pratique bastante a escrita. Teoria literária apenas não basta.

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