Ele recebeu uma encomenda
inopinadamente. Totalmente inesperada.
Hoje
à tarde, 13 horas em ponto, o carteiro lhe entregou o pacote de sedex tamanho
médio, com várias voltas de fita de empacotamento transparente lacrando a
caixa, a denotar que o conteúdo deveria ser precioso ou frágil. Deveria ser em
mãos próprias, da forma que viera carimbado pelos correios, explicitamente, em
caixa alta: MP.
- Documento de identidade, por favor,
grunhiu o estafeta estatal.
- Bom rapaz, agora assine aqui, nome
completo, e sem abreviaturas.
Assinou, por extenso, Ezra Fagundes, com
letra tremida, porque o papel estava numa prancheta estendida pelo carteiro.
Ao dar o visto do recebimento, pensou em
anotar, a título de complementação, profissão: escritor. Tempos atrás, teria de
anotar servidor público federal, do Ministério do Planejamento, cargo
comissionado, com orgulho.
Não fez nada disso.
Ponderou se essa informação adicional
não seria motivo de pilhéria posterior, por parte do entregador da encomenda.
Escritor, como isso seria possível, se o
nome transcrito era desconhecido, diria, rindo à socapa, era preciso relatar
tamanha soberba aos colegas de ofício. Escritor é uma profissão? É evidente que
não. Carteiro era uma profissão. Escritor, salvo de novelas televisivas,
jamais. Haveria alguém a ganhar o pão, neste país, que tivesse a ousadia de
intitular-se escritor?
O carteiro já se fora, quando percebeu
que não havia indicação de remetente.
Remetente?
Ninguém. Sequer um nome abreviado,
logradouro ou código de endereçamento.
Ezra acentuou o rosto contrariado. Isso
era uma afronta.
Primeiro, a importunação do carteiro, na
santa insistência de entregar o pacote em mãos. Poderia tê-lo entregue ao
porteiro do prédio. Preferiu seguir as regras dos correios. MP. Mãos próprias.
Segundo, a ausência de remetente na
encomenda. Agora, as normas de postagem de correspondências foram violadas.
Principalmente nesse caso, por ser uma remessa importante, serviço
especializado, entrega expressa.
Deixou-a de lado por alguns instantes.
Foi à geladeira, bebeu dois goles de
água. Depois, ao banheiro. Lavou o rosto. Fez cara de mau, no espelho.
Lembrou-se da fisionomia do carteiro. Um sujeito bonachão. Não teria coragem de
debochar de um cliente que ajuda a pagar o seu salário. Teria?
Novamente a geladeira. Um refrigerante
de cola e cafeína, para acordar. Esse não era o horário habitual de estar em
pé.
Escritor, deixou escapar.
Fazia 5 anos que entrara nesse ramo,
nessa profissão. Abandonando o emprego anterior de funcionário público do
Ministério do Planejamento. E há cinco anos buscara, em vão, seu espaço, no
concorrido mundo literário. Apenas livros medianos, personagens medianas,
vendas medianas. Contos. Célula unívoca. Personagens se preparando para o
clímax. Enredo curto. Falta de fôlego. Um romance, sua aposta para romper o
ostracismo.
Abriu o pacote, de uma só vez.
Um livro. Um belo livro. Novo, cheirando
à tipografia, brochura, capa negra, folhas estilo sépia, o título escrito em
letras douradas.
Folhou-o: 512 páginas, todas em branco.
No centro, uma folha avulsa, solta.
MP.
Mãos próprias. Deverás escrevê-lo em
mãos próprias.
Falácia brasileira, o título.
Dou-te apenas a senha do sucesso:
Falácia Brasileira. Tu já tens o resto. Não precisas de mais nada, além da
marcha e do incenso da vitória.
Siga as instruções de uso e terás o
resultado que em delírio algum poderias imaginar.
Serás o 1º escritor brasileiro a levar a
láurea cobiçada, o Nobel de Literatura.
Ezra
Fagundes coçou o nariz, passou a mão na cabeça, apertou a nuca por alguns
segundos. Não fosse o gigantesco MP logo após o seu nome, carimbado na caixa,
não acreditaria que a encomenda deveria ter sido retirada em mãos próprias.
Não perdeu tempo, com as próprias mãos,
a lápis, redigiu o seu discurso da solenidade de entrega da premiação do Nobel
de Literatura.
Depois, foi para a internet pesquisar,
precisava saber e já quanto daria o prêmio em moeda nacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário