quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O que é o tempo



A demanda terminará em risos e tu te irás absolvido
Horácio
 
 
Para Cristiane Maluf,
Prof.ª de direito civil,
  deveras.


E na Faculdade de Direito- FADIR eu com a bolsa cheia de livros de literatura, eu carregando (pelo menos três cada dia) e lendo Ulisses (James Joyce), Exortação aos crocodilos (António Lobo Antunes), Todos os fogos o fogo (Julio Cortazar), Da preguiça como método de trabalho (Mario Quintana) A obscena senhora D. (Hilda Hilst) A idade do vexame (Cesar Cruz), O buraco na parede (Rubem Fonseca), Dublinesca (Enrique Vila-Matas) e Os detetives selvagens (Roberto Bolaños), eu que deveria ter vergonha na cara e parar de enganar meus velhos pais que gastam uma pequena fortuna com a mensalidade do curso de direito, eu que na verdade deveria ler livros de Gilmar Mendes (Direito Constitucional) Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil) Maurício Godinho (Direito do Trabalho) Rogério Greco (Direito Penal) entre outros, eu na FADIR com a bolsa estufada de livros de literatura e nenhum de direito, eu que enganava meus pais dizendo a eles que estava me dedicando no curso de direito, quando na realidade estava interessado mesmo em literatura, eu que passava o dia inteiro escrevendo pequenas narrativas, contos e crônicas, e publicando-os num blog na internet, eu que, ao me inscrever no curso de direito, fazia a vontade dos meus velhos pais, ambos advogados de renome aqui em Campo Grande, mas que no fundo gostaria de passar a vida não advogando, mas sim escrevendo livros de literatura, eu que tinha um irmão mais velho procurador da república e uma irmã mais nova juíza federal, eu, o filho do meio, uma negação como se referia à minha pessoa meu irmão, que sempre desejei frequentar uma faculdade de filosofia e também de letras, mas que na verdade não acabei frequentando nenhuma, eu sempre atrasado nos estudos, um nefelibata retardado como dizia minha irmã, eu que na aula de direito civil, me sentindo um peixe fora d’água, à questão peremptória da professora Cristiane: - Ricardo, defina contrato com pessoa a declarar e dê um exemplo, eu distraído e a questão inexorável: - Ricardo, fale um pouco sobre os requisitos da evicção, e eu já evicto e mais uma pergunta – Ricardo, cite as ações cabíveis no caso de ocorrer vício redibitório, eu, humilhado, tendo de apelar, com a voz empolada: - Professora Cristiane, responderei da mesma forma que Santo Agostinho quando lhe perguntaram o que era o tempo: “se não me perguntam, eu sei; todavia se me perguntam, não sei explicar”, então peço licença e saio às pressas da sala de aula, eu, correndo,  saio da FADIR, eu e minha bolsa abarrotada de livros de literatura não combinamos com a FADIR, eu o nefelibata retardado atrasando os colegas pragmáticos que em uníssono saberiam responder todas as questões propostas, então eu peço licença e me retiro da aula de direito civil da professora Cristiane, preciso concluir a leitura do bom e sábio Mario Quintana: Da preguiça como método de trabalho.

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