domingo, 3 de junho de 2012

o recenseador


Palmtop à mão, ele tocou o interfone.
Uma rouca voz feminina atendeu.
Sim?
É do IBGE, ele grunhiu, somente algumas rápidas perguntas pro censo. Posso entrar? Não vai demorar...
Não pode voltar noutra hora? Noutro dia?
Senhora, seria bom resolver isso agora mesmo...
Minhas respostas não farão a menor falta, minha vida não pode interessar tanto assim ao governo...
Todo e qualquer cidadão é importante pra nós do governo, precisamos dos seus dados pra... Se quiser, faço as perguntas pelo interfone mesmo...
Tudo bem, se esse é o seu trabalho, bisbilhotar a vida alheia em nome do governo, suba, não vou me opor, responderei a suas breves perguntas olhando bem nos seus olhos...
Um seco estalido anunciou que o portão automático fora destravado.
Ele subiu a escada apressadamente, mas não deixou de reparar que havia câmeras de monitoramento por todo lado. E um jardim amplo, gramado. E uma piscina cuja água azul reluzia. Tudo limpo. Mas não viu um empregado sequer.
Eram quatro da tarde. Ele tinha muitas residências ainda antes de completar o ciclo de coleta de dados naquele bairro. Ele recebia por produção. Aquele era um bairro de classe média alta, as pessoas eram desconfiadas, com medo de assaltos, sequestros, o serviço não rendia, muitas vezes precisava insistir e agendar.
E demorou.
Demorou muito.
Arre égua!
Ele desceu as escadas, cambaleante, suando, com as pernas bambas.
O que era aquilo? Isso era uma mulher?
Na calçada em frente se recompôs. Ajeitou os cabelos, a calça, o colete azul. Olhou em direção às câmeras. Alisou mais uma vez o cabelo. O cabelo ainda estava desarrumado, bagunçado demais. 
O sol já se punha.
Andou em direção à esquina.
Não, precisava voltar, ainda tinha outra casa antes da quadra seguinte.
Pôs a mão no bolso do colete.
Puta que pariu!
Cadê o palmtop? Vou ter de voltar lá?!
Sim? 
A mesma voz rouca no interfone.
Eu precisava...
A voz dele saiu embargada. 
A patroa está viajando! Volte mês que vem, seu puto, quando ela já tiver retornado...!

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