sexta-feira, 25 de maio de 2012

anunciação de Maria


            Ultimamente, minha vida resume-se a alguns suspiros esparsos. Um aqui, outro acolá. Saudades? Talvez. Não digo sim, nem não.
            Autômato que sou, tenho ruminado: “ah, Gabriel, pobre de ti, impotente que és”.
            Lembranças. Apenas mais algumas lembranças. Mais uma tênue cortina de fumos do passado querendo se fazer presente. Algum romancista famoso teria alguma imagem ou metáfora prodigiosa para descrever esses momentos. Eu não as tenho, nem a metáfora, tampouco a imagem. Tenho os fatos, meus enfadonhos dias que teimam em suceder um ao outro.
            Maria disse-me naqueles dias fatídicos: ... “além do mais, nosso casamento não teve legitimação civil, tampouco religiosa”.
          Esse diálogo vil, eu tentei redirecionar, quando Maria fez tal anunciação, contudo fracassei.
            Agora eu penso, mais um dos tantos fracassos da minha vida.
            Naquele instante, o da anunciação, eu fiquei sem argumentos plausíveis, como se meu cérebro estivesse enferrujado. Autômato que era, e que continuo sendo, a única atitude que fui capaz de promover resumia-se numa paráfrase de um poeta laureado, Manuel Bandeira.
            Ah, nada como cair na rede das célebres frases alheias, isso tudo para não deixar vir à tona nossa mediania, nada melhor que citar outrem, sobretudo os de fama estabelecida, uma vez que nos poupa tempo, evita frustrações, devido à verve enferrujada, pouco estimulada.
            “Maria, se o indivíduo botou banca de sentimentalista em cima de ti, e te jurou amor do tamanho de um bonde, se ele chorou, se ajoelhou, se rasgou todinho, não acredita, não, Maria, é lágrima de novela, tapeação, enganação, te manda, Maria!”
            Naquele momento, Maria fez ouvido mouco. Disse-me: “Não tivemos sequer um filho. Tudo que pedi a ti nessa vida foi um varão capaz de mudar o mundo, e não foste capaz, Gabriel. Tu que gostas de declamar versos, odes, trovas e canções, essa boa nova não tiveste coragem de me anunciar. Nossa separação só não é explícita pelo fato de ainda residirmos sob o mesmo teto. Além do mais, nosso casamento não teve legitimação civil, tampouco religiosa”.
            Tristeza.
            Maria partiu para Belém do Pará, com um carpinteiro.
            E eu fiquei aqui, nessa carpidação.
            Autômato que era, e que continuo sendo, me chafurdei nos clássicos. Recitei, como se fosse um salmo, naquela noite, inúmeras vezes: “mulher, não ames, quando a teus pés um homem terno e curvo jurar amor, chorar pranto de sangue, não creias, não, mulher, pois ele te engana! As lágrimas são galas da mentira e o juramento manto da perfídia”.
            Refeito do drama? Talvez. Não digo sim, nem não. Autocomiseração? Pra que pensar nessa hipótese?
            Autômato que sou, continuo ruminando.
            “Ah, Gabriel, pobre de ti, impotente que és”.

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