Ultimamente, minha vida resume-se a alguns suspiros esparsos.
Um aqui, outro acolá. Saudades? Talvez. Não digo sim, nem não.
Autômato que
sou, tenho ruminado: “ah, Gabriel, pobre de ti, impotente que és”.
Lembranças.
Apenas mais algumas lembranças. Mais uma tênue cortina de fumos do passado
querendo se fazer presente. Algum romancista famoso teria alguma imagem ou
metáfora prodigiosa para descrever esses momentos. Eu não as tenho, nem a
metáfora, tampouco a imagem. Tenho os fatos, meus enfadonhos dias que teimam em
suceder um ao outro.
Maria disse-me naqueles dias
fatídicos: ... “além do mais, nosso casamento não teve legitimação civil,
tampouco religiosa”.
Esse diálogo vil, eu tentei
redirecionar, quando Maria fez tal anunciação, contudo fracassei.
Agora eu
penso, mais um dos tantos fracassos da minha vida.
Naquele
instante, o da anunciação, eu fiquei sem argumentos plausíveis, como se meu
cérebro estivesse enferrujado. Autômato que era, e que continuo sendo, a única
atitude que fui capaz de promover resumia-se numa paráfrase de um poeta
laureado, Manuel Bandeira.
Ah, nada
como cair na rede das célebres frases alheias, isso tudo para não deixar vir à
tona nossa mediania, nada melhor que citar outrem, sobretudo os de fama estabelecida,
uma vez que nos poupa tempo, evita frustrações, devido à verve enferrujada,
pouco estimulada.
“Maria, se o
indivíduo botou banca de sentimentalista em cima de ti, e te jurou amor do
tamanho de um bonde, se ele chorou, se ajoelhou, se rasgou todinho, não
acredita, não, Maria, é lágrima de novela, tapeação, enganação, te manda,
Maria!”
Naquele
momento, Maria fez ouvido mouco. Disse-me: “Não tivemos sequer um filho. Tudo que
pedi a ti nessa vida foi um varão capaz de mudar o mundo, e não foste capaz,
Gabriel. Tu que gostas de declamar versos, odes, trovas e canções, essa boa
nova não tiveste coragem de me anunciar. Nossa separação só não é explícita
pelo fato de ainda residirmos sob o mesmo teto. Além do mais, nosso casamento
não teve legitimação civil, tampouco religiosa”.
Tristeza.
Maria partiu
para Belém do Pará, com um carpinteiro.
E eu fiquei
aqui, nessa carpidação.
Autômato que
era, e que continuo sendo, me chafurdei nos clássicos. Recitei, como se fosse
um salmo, naquela noite, inúmeras vezes: “mulher, não ames, quando a teus pés
um homem terno e curvo jurar amor, chorar pranto de sangue, não creias, não,
mulher, pois ele te engana! As lágrimas são galas da mentira e o juramento
manto da perfídia”.
Refeito do
drama? Talvez. Não digo sim, nem não. Autocomiseração? Pra que pensar nessa
hipótese?
Autômato que
sou, continuo ruminando.
“Ah,
Gabriel, pobre de ti, impotente que és”.
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