quarta-feira, 9 de maio de 2012

Flores para Mara




Eu só tinha olhos para Mara. A minha vida ficou mais alegre e decidi abandonar certos hábitos, desde o dia em que ela mudou-se para o sobrado em frente ao meu. Ela era muito engraçada, levava a vida energicamente, com frenesi, como se costuma dizer por aí, e o mais importante, ela tinha um belo par de coxas e olhos esverdeados. Com toda certeza fazia o meu tipo. Eu sabia desses detalhes porque eu só tinha olhos para Mara, quase literalmente. Depois da sua mudança, nos dias que se seguiram, por causa da mania diária dela de malhar na sacada, eu acabei comprando um binóculo última geração. Eu realmente só tinha olhos para Mara. Apelidei-a de antílope. Ela era a minha bela e fagueira antílope na savana. Eu pretendia dizer bela e fagueira antílope na sacada, mas aí iria perder o frescor da imagem. Todo santo dia eu a observava. Logo cedo, quando ela aparecia lá pelas 7 da manhã, eu já estava a postos, com meu binóculo moderno, capaz de ver inclusive a alma do ser observado. Esse era o meu objetivo, na verdade. Eu queria ver a alma da Mara, entende. O doutor consegue ver a alma das pessoas? Sabe, o âmago? Mas sem binóculos? Sei... Está bom, finjo que acredito nessa conversa mole... Nos dias em que ela se atrasava um pouco, eu já sabia o que fazer, sabia que a arguta antílope, sorrateiramente, havia me deixado na mão e partido rumo às suas não comuns caminhadas matinais. Isso não me agradava nem um pouco, me obrigava a abandonar a minha trincheira e me expor. Mas eu tinha uma bicicleta, e logo descobri que o trajeto era sempre o mesmo. Então não demorava muito e eu a alcançava com certa facilidade. Mas desse jeito definitivamente eu não gostava, embora fosse nesses dias de caminhada que tivera pela primeira vez a sensação de estar vendo a minha antílope. Antes, observava apenas uma bela fêmea humana. Sim, agora, via a minha bela e fagueira antílope na savana. Entretanto, foi num desses dias de caminhada que o nosso caso se alongou, criou pernas, virou um triângulo amoroso. Daí é que lhe digo, concluo que é por isso que eu odiava as caminhadas de Mara. Sempre havia os atirados, aqueles que não perdem a oportunidade de ver uma mulher bonita e logo cospem as suas velhas e surradas cantadas matinais, de certo que ainda impregnadas com a meleca que se formou à noite em seus lábios... Mas não sou desses, como o senhor já deve ter percebido, fico na minha, não sou parvo como esses, não dou bandeira, tenho meu estilo pra ganhar minha gata. Agora digo gata por força do hábito, mas seria a minha bela e fagueira antílope. Doutor, eu estava preparando o terreno, fazendo a minha parte. Mas como o senhor sabe, entrou em cena a Maria da Penha, então eu fiquei um pouco preocupado. Eu tenho experiência nessas empreitadas, mas dali em diante eu percebi que não valia a pena. Nada vale a pena se alma não é pequena, o senhor conhece bem o ditado popular, não é mesmo...? Conhece sim, eu sei, eu lhe conheço de outros carnavais, bem sabe, por isso lhe asseguro, está ciscando no terreno errado, perdeu o faro, me parece agora, vendo-o assim, tão sem rumo, sem noção, antes já vinha com algum ás na manga, mas até agora só lançou fruta verde, e a velhaca raposa aqui só come uvas maduras, bem sabe... Digo raposa, nem precisaria dizer, porém o que o senhor procura, o velho leopardo na savana, lépido e carnívoro, com caças de antanho entre dentes, a formar o amarelo dos incisivos, não está mais atuando... Desde a chegada de Mara perdeu os velhos hábitos, até o hálito melhorou, veja...
    - Doutor, nego veementemente, não matei Mara! Olhe essas fotos direito, logo vai perceber, não costumo deixar restos... Olhe essas fotos direito...
    - Droga, quanto custa uma coroa de flores?

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