sexta-feira, 25 de maio de 2012

Os amores réis

Eu tinha costume de ler meus livros com a televisão ligada. Era um velho hábito, adquirido no tempo em que lia meus autores prediletos nos ônibus de transporte coletivo, com a azáfama da vida real a me desentupir os tímpanos. Ainda assim eu os lia, mesmo com o sacolejar e outras intempéries a prejudicar a leitura. Hoje não faço mais isso, mas gosto de ler com o barulho. Foi-se o tempo dos ônibus, da vida ululante nos comboios de gente, ficou a necessidade de barulho para o deleite literário. Por isso a televisão ligada. Mas eu sempre faço ouvido mouco, como nos tempos dos coletivos. Eu disse eu sempre faço, mas dessa vez não consegui me concentrar no livro, após ouvir a notícia televisiva. Eu estava lendo Kafka, O Castelo, com o agrimensor K. tentando, em vão, encontrar o castelão com o intuito de realizar o trabalho para o qual fora contratado, mas diante da notícia, pareceu-me que estava com o livro errado em mãos, embora do mesmo autor. Diante dessa novidade O Processo, com seus bizarros personagens, estava pedindo passagem, ou talvez, por que não, A Metamorfose, com a impressionante transformação matutina do protagonista em uma horripilante barata. Eu fiquei chocado. Haviam sopesado o amor, colocado-o em pratos de balança e tascado uma etiqueta. O amor acabara de ter seu preço remarcado. Antes incalculável, agora com um preço de 200.000 reais. O amor paterno é que tinha estado no banco de réus. E o juiz, ou ministros, não lembro ao certo de tão atordoado que fiquei, com laudos psicológicos atestando a veracidade dos prejuízos advindos da falta dessa espécie de amor, acabaram por mensurar o velho e bom amor na bagatela de 200.000 reais. Sim , o amor agora tinha um preço, e como fora sonegado ao autor da pendenga judiciária, era preciso que fosse pago a fiança de 200.000 reais. Pergunto-me, como será gasto o pedaço de amor agora assegurado pela justiça, o amor de 200.000 reais. Viagens? Carros? Apartamento? Doação para a caridade? O amor esse objeto agora materializado, cristalizado num cheque de 200.000 reais. E reluz, o amor valorado em 200.000 reais. Olho para o lado, visualizo minha estante de livros. Dirijo-me a ela. Letra F de Franz Kafka, o mesmo a quem fora negado, na vida real, o amor paterno e ainda assim, em seu O Processo, com seus personagens toscos, o amor não fora objeto de disputa judicial. Letra F de Franz Kafka, aquele que escreveu outro livro nominado Nas Galerias, em que se lê, logo na primeira página "Há muita esperança, só não para nós". Penso na azáfama ululante da vida real nos ônibus coletivos, nesse alarido que não tem preço. Fecho O Castelo. Já sei o final. K. não encontrará o castelão. Nesse livro, o enredo Kafkiano não tem fim, termina no meio da narrativa. K dirige-se mais uma vez ao Castelo e. O amor espontâneo e

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